Segundo álbum da cantora, instrumentista, compositora e pesquisadora, lançado pelo selo independente Memória Discos, em 1983.
As canções aqui constantes são fruto das jornadas de Marlui pelo norte do país, resultando o conjunto em um álbum de instantâneos, memórias, causos e vivências recolhidas pelas estradas de um Brasil ainda pouco tocado, à época, pelas mãos do desenvolvimento voraz.
Como intérprete, a cantora reinventa dois dos maiores clássicos da música sertaneja, aquela que faz jus ao nome, engendrada pelas gentes trabalhadoras e lutadoras do campo, não por celebridades instantâneas fabricadas em série pela indústria do entretenimento, visando à sustentação simbólica do agronegócio latifundiário e genocida.
Em \"Galopera\", Marlui abdica das acrobacias vocais que frequentemente desfiguram o famoso refrão, em favor de um registro suave e potente, a um só tempo, digno de sua mestria.
A dor, o luto e a impotência humana frente ao curso bravo do rio da vida, sentimentos contidos na narrativa de \"O Menino da Porteira\", talvez nunca tenham sido tão bem enunciados quanto nesta releitura.
\"Timon\" e \"O Dois de Junho\" são achados, pepitas garimpadas na fonte maior de todas: a voz do povo. A segunda, Marlui ouviu do seringueiro Sebastião Claudino, que a aprendera com outro companheiro seu de lida, Manoel Germano.
Trata-se do relato de um ato de resistência indígena à invasão de seu território por seringueiros, contado pela perspectiva dos invasores. Curioso notar que, na letra, não há traços de ódio ou vingança contra os povos tradicionais. O que prevalece é um sentimento de decidida resignação, pois quem canta e conta sabe muito bem para onde vai o fruto de sua dura labuta: é a \"borrachinha pro patrão\".
No fim, estão sob o mesmo jugo indígenas e trabalhadores pobres, eventualmente postos uns contra os outros, a depender dos interesses dos patrões de sempre.
Na faixa \"Canção Suruí\", a vez e a voz é dada aos indígenas, mais exatamente, a um homem da etnia Suruí. Como nos explica a antropóloga Betty Mindlin no encarte do LP, as músicas desse povo de então recente contato \"têm dono e são inventadas por homens e mulheres a todo momento\". Nesta, o indígena narra uma viagem de carro - provavelmente, um veículo da Funai - em busca de utensílios para a aldeia.
Ao longo do disco, ouvimos ainda mais causos e histórias desse Brasil tão desconhecido, como em \"Estrada de Ferro Madeira Mamoré\", obra que custou a vida de milhares de operários e indígenas, além de infindáveis hectares de floresta postos no chão.
Marlui nos entrega as experiências de suas andanças revividas em forma de canções que compõem os trágicos retratos de uma nação construída sobre os destroços e o sangue de tantas outras nações.
Faixas:
1. Galopera (Ocampo e Zayas) 00:00
2. Menino da Porteira (Ted Vieira e Luizinho) 03:55
3. Mata (Marlui Miranda e Marcos Santilli) 10:27
4. Canção Suruí (Música do indígena Nambecoa Suruí, da etnia Suruí, localizada no estado de Rondônia) 13:30
5. Timon (Clodo, Climério e Clésio) 15:11
6. Imagens (Marlui Miranda e Otávio Afonso) 20:34
7. O Dois de Junho (Manoel Germano, seringueiro) 24:13
8. Estrada de Ferro Madeira Mamoré (Marlui Miranda e José Cândido) 28:16
9. Araguaia (Marlui Miranda e Ana Maria Miranda) 33:25
10. Repente Camaleão (Marlui Miranda e Xico Chaves) 37:03
Nota: A baixa qualidade do áudio se deve ao fato de o arquivo digital ter sido obtido a partir de disco de vinil, sem o devido processamento para retirar ruídos.
No entanto, por entender que a relevância artística do registro justifica o compartilhamento, decidimos disponibilizá-lo mesmo em tais condições, com o compromisso de melhorá-lo assim que arquivo mais fiel for localizado.
